ATA DA QUADRAGÉSIMA QUARTA SESSÃO SOLENE DA SEGUNDA SESSÃO LEGISLATIVA ORDINÁRIA DA DÉCIMA SEGUNDA LEGISLATURA, EM 17.11.1998.

 


Aos dezessete dias do mês de novembro do ano de mil novecentos e noventa e oito reuniu-se, no Plenário Otávio Rocha do Palácio Aloísio Filho, a Câmara Municipal de Porto Alegre. Às dezenove horas, constatada a existência de “quorum”, o Senhor Presidente declarou abertos os trabalhos da presente Sessão, destinada a homenagear a Semana da Consciência Negra, nos termos do Requerimento nº 209/98 (Processo nº 3138/98), de autoria dos Vereadores Luiz Braz e Renato Guimarães. Compuseram a MESA: o Vereador Luiz Braz, Presidente da Câmara Municipal de Porto Alegre; o Vereador Nereu D'Ávila; o Historiador Décio Freitas; o Coronel Antonio Carlos Maciel Rodrigues, Presidente do Tribunal de Justiça Militar do Estado/RS; o Tenente-Coronel Élvio José Pires, representante do Comando-Geral da Brigada Militar; a Senhora Maria Heoniza, representante da Secretaria Estadual da Cultura/RS; a Senhora Enid Backs, representante do Fórum Municipal da Mulher; o Babalorixá Borel; o Vereador Reginaldo Pujol, 3º Secretário da Casa. A seguir, o Senhor Presidente convidou a todos para, em pé, ouvirem à execução do Hino Nacional e, após, concedeu a palavra aos Vereadores que falariam em nome da Casa. O Vereador Luiz Braz, como Presidente deste Legislativo, leu texto intitulado “Rezumbindo”, de autoria da Senhora Maria Helena Vargas da Silveira, acerca da realidade de luta vivenciada pelo negro em sua busca de integração social, afirmando a necessidade de maiores investimentos para ampliar atividades que exaltem a cultura do negro. O Vereador Renato Guimarães, em nome das Bancadas do PMDB e do PPS, registrou a importância do debate na Casa acerca do papel a ser exercido pelo Poder Público na superação das discriminações raciais, defendendo a constituição e ampliação de ações afirmativas que destaquem a análise dessa questão. A Vereadora Maria do Rosário, em nome da Bancada do PT, comentou a história e a luta da comunidade negra, salientando a necessidade da organização popular no combate à violência, à desigualdade e à discriminação, através da exigência de políticas públicas que respondam ao conjunto da sociedade. O Vereador Nereu D’Ávila, em nome da Bancada do PDT, analisando o significado da presente solenidade, como meio de reflexão sobre a sociedade atual, teceu considerações acerca da consciência que todos devem ter na luta pela busca de alternativas para alcançar a democracia plena. O Vereador Reginaldo Pujol, em nome da Bancada do PFL, prestou sua homenagem, declarando que devemos resgatar a consciência negra, assumindo a devida importância dessa raça, pelo muito que contribuiu - e contribui - para a construção da sociedade brasileira. A seguir, o Senhor Presidente registrou seus cumprimentos ao Senhor Paulo de Tarso, Presidente da Comissão Organizadora da Semana da Consciência Negra. Ainda, foi efetuada apresentação pelo Grupo de Capoeira Rabo de Arraia, homenageando o Babalorixá Borel. Após, o Senhor Presidente concedeu a palavra ao Babalorixá Borel, que agradeceu a homenagem recebida, ressaltando a importância do registro, por este Legislativo, do transcurso da Semana da Consciência Negra. A seguir, foi efetuada apresentação de número artístico pelo Grupo de Arte, Dança e Expressão Negra - GADEN. Em continuidade, o Senhor Presidente concedeu a palavra ao Professor Décio Freitas, que historiou sobre a criação da Semana da Consciência Negra e a presença do negro no Brasil. Após, o Senhor Presidente convidou os presentes para, em pé, ouvirem à execução do Hino Rio-Grandense, registrou a realização, a seguir, de coquetel com pratos típicos da cozinha africana e a exibição do filme "Ilha Negra", agradeceu a presença de todos e, nada mais havendo a tratar, declarou encerrados os trabalhos às vinte e uma horas e trinta e dois minutos, convocando os Senhores Vereadores para a Sessão Ordinária de amanhã, à hora regimental. Os trabalhos foram presididos pelos Vereadores Luiz Braz e Nereu D’Ávila, este nos termos do artigo 27 do Regimento, e secretariado pelo Vereador Reginaldo Pujol. Do que eu, Reginaldo Pujol, 3º Secretário, determinei fosse lavrada a presente Ata que, após distribuída em avulsos e aprovada, será assinada pelos Senhores 1º Secretário e Presidente.

 

 


O SR. PRESIDENTE (Luiz Braz): Estão abertos os trabalhos da presente Sessão Solene, destinada a homenagear a Semana da Consciência Negra, nos termos do Requerimento nº 209/98 (Proc. 3138/98), de autoria dos Vers. Luiz Braz e Renato Guimarães.

Convidamos para compor a Mesa o homenageado Babalorixá Borel; o painelista, Historiador, Décio Freitas; o Presidente do Tribunal de Justiça Militar do Estado, Coronel Antonio Carlos Maciel Rodrigues; o representante do Comando-Geral da Brigada Militar, Tenente Coronel Élvio José Pires. Convidamos todos os presentes para, em pé, ouvirmos o Hino Nacional.

 

(Executa-se o Hino Nacional.)

 

O SR. PRESIDENTE: Convidamos para fazer parte da Mesa a Sr.ª Maria Heoniza, representante da Secretaria Estadual da Cultura; Sr.ª Enid Backs, representante do Fórum Municipal da Mulher.

Solicito ao Ver. Nereu D’Ávila que assuma a Presidência dos trabalhos.

 

O SR. PRESIDENTE (Nereu D’Ávila): Com muita honra e satisfação, assumo a Presidência dos trabalhos. Com a palavra, o Ver. Luiz Braz.

 

O SR. LUIZ BRAZ: Sr. Presidente e Srs. Vereadores, nosso querido amigo, Ver. Nereu D’Ávila, já se acostumando com a Presidência deste Legislativo. Quero cumprimentar os demais Vereadores presentes neste Plenário, Ver.ª Maria do Rosário, Ver. Renato Guimarães. Quero cumprimentar um grande amigo, uma pessoa que, para mim, é realmente um dos grande exemplos entre os babalorixás, que é o nosso amigo Borel, e que tenho uma satisfação muito grande de tê-lo aqui. Outra pessoa, que é uma grande referência para mim - pude me guiar muito através de seus textos, principalmente, quando tecia alguns comentários sobre o Orçamento Participativo - é o Historiador Décio Freitas, que está nos honrando e que será o painelista desta noite. Cumprimento outro grande amigo, o Presidente do Tribunal de Justiça Militar do Estado, Cel. Antonio Carlos Maciel Rodrigues, e o não menos amigo, representante do Comando-Geral da Brigada Militar, Tenente-Coronel Élvio José Pires. E, ainda, a representante da Secretaria Estadual da Cultura, Sra. Maria Heoniza; a representante do Fórum Municipal da Mulher, Sr.ª Enid Backs; e as Senhoras e Senhores.

A fórmula melhor que encontrei para falar nesta noite, do alto desta Semana da Consciência Negra, foi ler um texto, que não foi escrito por mim, mas que foi selecionado dentre os textos das pessoas que mais conhecem esse assunto na nossa Sociedade. Terei a grande honra em poder revelá-lo para os senhores e Senhoras.

Gostei tanto desse texto, que resolvi substituir o texto que eu preparava, tudo para poder trazer para os Senhores o mesmo sentimento que estava surgindo em mim. Trata-se do texto da Maria Helena Vargas da Silveira, do Departamento Cultural da Academia de Samba Integração do Areal da Baronesa, intitulado Rezumbindo, do Livro Odara - Fantasia e Realidade. Mas esse texto, acredito, que me deu, no momento em que o lia, uma realidade da luta que o negro empreende para ocupar um lugar digno dentro da sociedade. Eu quis que todos os Senhores e Senhoras também pudessem ter a oportunidade de entrar em contato com essas idéias, acho que são idéias avançadas e muito atuais da luta do negro. O texto é exatamente este:

“Rezumbindo

Nem sempre é visível o brilho do luar, mas ele existe na luminosidade que o sol lhe empresta. Torna-se encantado porque suas características são reveladas positivamente. È objeto de amor e poesia, ainda que às custas do sol, que lhe transfere os reflexos. Tudo é questão de ensinamentos e energia.

O que acontece com o cidadão afro-brasileiro é bem diferente das circunstâncias do luar. Não é comum apresentarem suas características positivas. Ofuscam-lhe o brilho, mesmo que possua brilho próprio pela sua história de lutas. Dessa forma, é mais difícil que aprendam a estimá-lo e que ele mesmo se conscientize de sua força natural.

É necessário que entendam de luar, mas é preciso que saibam de gente, de todas as raças, para realçar a poesia da humanidade no ayé.

Através da história do negro no Brasil, repassam dados cujas conclusões apontam o afro-brasileiro carente de valores que o engrandeçam. Através dos piores atributos impostos mostram-no marginal, mas ele é nobre pela própria história que viveu. Marginalizado, sim. Marginalizado socialmente, porque na negação do seu valor é criado o anti-negro, o desamor do negro pelo seu próprio eu, capaz de derrotá-lo pela evidência da cor da pele.

Existem negros que repetem ‘negro é lindo’, simplesmente porque é letra de canção, sem terem a convicção da sua beleza. Torna-se difícil de entender o seu psicologismo e podem apresentar casos patológicos estranhos que médicos experientes não conseguem resolver. Faltou, para esses negros e para a sociedade em que convivem, aprenderem coisas de negro, desde a beleza de suas peculiaridades físicas aos seus valores intelectuais, criativos e, em especial, de grande capacidade de doação, de amor.

Mesmo que o negro possua tanta energia positiva, falta divulgá-la, exemplificá-la para as suas pautas de vida, de conduta e firmeza, de conjunto racial, desde a infância.

Precisamos de educadores, historiadores, jornalistas, poetas, escritores, sociólogos, políticos, religiosos bem-intencionados com Deus, muita gente que divulgue o afro-brasileiro, dando-lhe a merecida atenção. Forças positivas sepultarão o negro sujo, trapaceiro, brigão, preguiçoso, feio, burro e promíscuo sexual, que a informação subversiva ainda traz em vésperas de terceiro milênio. O próprio negro precisa fuzilar essa imagem recontada faz tempo. Será preciso ingressar na arte de rezumbir, oriunda do conhecimento e da afirmação que o afro-brasileiro passa a ter de si próprio, de suas capacidades e dos seus talentos.

Rezumbir é amar-se negro e acreditar que não é inferior a nenhuma outra raça. É reagir às adversidades impostas aos negros. Rezumbir é ladainha antiga, conjugação atual, um grande movimento que envolve cabeça, energia física e, sobretudo, a emoção.

Em sua rotina telúrica, o negro só cresce digno e aparece respeitado, rezumbindo. Rezumbindo na busca de sua real liberdade; lutando pela participação como cidadão no âmbito sócio-cultural e econômico.

Rezumbindo na sua forma de valorizar-se sempre mais, elevando o moral, a auto-estima, para gerar orgulho entre as crianças, os adolescentes, os jovens, os adultos e os velhos.

Rezumbindo no trabalho, na força física e intelectual. Rezumbindo na expressão dos talentos, exigindo que sejam reconhecidos.

Rezumbindo nos movimentos que lutam pelo progresso do negro em todas as áreas. Rezumbindo para assumir as lutas dignas e necessárias para o avanço social.

Rezumbindo nas escolas e em todos os espaços culturais. Rezumbindo ao mostrar a cara nas reivindicações que favoreçam a consecução dos objetivos maiores do homem: respeito humano, igualdade de oportunidade, direitos iguais.

Rezumbindo ao exigir que passem a limpo a sua história, com a maior brevidade.

Rezumbindo, nas famílias através da coragem, da perseverança, para conduzir-se íntegro.

Rezumbindo na derrubada dos estereótipos criados para desculpar a escravidão. Rezumbir é viver a negritude com dignidade.

Tudo é uma questão de ensinamentos e energia. É ladainha que precisa soar forte como um zumbido. Zum, Zumbi, Zumbindo.

Rezumbindo."

Esse texto eu achei realmente maravilhoso, quero até me desculpar porque não solicitei à autora sua permissão para vir a esta tribuna e divulgar o texto, mas eu o achei tão bonito; tão atual; eu achei o texto tão útil para a discussão que se faz nesta Semana da Consciência Negra que realmente não me contive.

Falando com o Presidente da Comissão que liderou esses trabalho, o Professor Paulo de Tarso, eu disse a ele que iria fazer a divulgação deste texto, nesta noite, exatamente nesta Sessão Solene, numa homenagem que faço a alguém que realmente tem essa alma, essa consciência que todos nós precisamos ter do muito que precisa ser feito, do quanto que já foi feito até agora, mas de um caminho que precisa ser trilhado, ainda, para chegarmos até onde precisamos chegar. Chegar exatamente aonde essa Semana quer realmente nos levar: à consciência de que o negro tem que ser exatamente igual em tudo e que tem que cobrar esses seus direitos e para começar eu já vou fazer uma cobrança a todas as administrações: a Municipal, a Estadual e a Federal. Porque em todas as administrações públicas nós encontramos um discurso muito bonito em prol do negro, mas e as ações, as assessorias e aquelas pessoas que estão ditando a políticas que nos envolvem e que são tão importantes para o caminhar de toda a sociedade? Nessas assessoria, nessas políticas, nós não vamos encontrar o elemento negro, pelo menos na quantidade que nós esperávamos, e nem na magnitude dos discursos que são proferidos por todos os segmentos.

Eu não estou fazendo uma cobrança individualizada a um partido, a um segmento. Eu faço esta cobrança a todos aqueles que são responsáveis pela administração pública neste País - no Município, no Estado, na União. Eu faço esta cobrança, inclusive, dos próprios partidos que trabalham aqui em nossa Cidade e que fazem discursos maravilhosos para dizer dos direitos dos negros, da desigualdade. Mas, quando vamos ver os resultados dessas ações? Aqui neste Plenário, por exemplo, quantos Vereadores negros tem? Apenas uma Vereadora negra, pertencente ao meu partido, a Ver.ª Tereza Franco. E nas assessorias, quantos negros tem? No nosso gabinete o número de negros é representativo, e fazemos isso não para compensá-los mas pela capacidade que eles têm.

Essa deficiência, esse desapego pela cultura do negro precisam ser corrigidos. E a primeira correção tem de ser feita em cada um de nós. Esta cobrança que eu estou fazendo de toda a administração, de todos os companheiros, de todas as pessoas que fazem política em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, no Brasil, tem que feita a cada um de nós. Cada um de nós, quando estiver fazendo um discurso exaltando a cultura negra, exaltando o negro, tem que fazer esta cobrança para si mesmo e para o seu grupamento. O que está sendo feito para que o negro possa ter o seu real lugar dentro da sociedade? Quais as ações, não quais as palavras que estão sendo proferidas? Mas quais as ações que estão sendo desenvolvidas? Eu acho que esta reposta, todos nós poderíamos adivinhar neste momento, muito pouco está sendo feito em ação, mas muito está sendo feito em palavras.

Nós estamos propondo, para a Semana da Consciência Negra, uma Emenda, para o ano que vem, a fim de que esta Semana possa ter um pouco mais de recursos e para que essas atividades, - exaltando a cultura do negro -, não fiquem concentradas e limitadas apenas nesta Semana e que não haja, apenas, uma Semana de reflexão, mas que possamos fazer vários eventos durante todo ano, a fim de que este orgulho da cultura negra possa se evidenciar durante todos os 365 dias do ano que estamos prestes a começar e outros vindouros.

E eu acredito que podemos começar por aí, aprovando no orçamento - eu estou fazendo uma proposta para que isso possa acontecer - um aumento desses recursos, a fim de que haja, realmente, mais atividades e vamos, durante todo um ano e não apenas durante uma semana, discutir as ações que precisam ser feitas para cobrarmos da sociedade um real lugar do negro que lhe está sendo negado agora.

Quero desejar, realmente, muita paz e muito axé para todos e que possamos, se Deus quiser, ter, num tempo muito breve, uma sociedade bem mais justa do que a que nós temos nos tempos atuais. Muito obrigado.

 

(Não revisto pelo orador.)

 

O SR. PRESIDENTE: Neste momento, cumprimento as autoridades da Mesa e a todos as pessoas que vieram prestigiar esta Sessão Solene da Semana da Consciência Negra e agradecer a oportunidade de, por alguns instantes, ter participado desta honrosa missão que desenvolvi por alguns minutos.

 

O SR. PRESIDENTE (Luiz Braz): O Ver. Renato Guimarães está com a palavra como um dos proponentes desta Sessão; falará também em nome das Bancadas do PMDB e do PPS.

 

O SR. RENATO GUIMARÃES: Sr. Presidente Ver. Luiz Braz, em primeiro lugar a nossa saudação especial ao companheiro Babalorixá Borel, ao qual fazendo esse cumprimento, estendo a todos companheiros e companheiras aqui presentes nesta solenidade.

Estamos tendo aqui uma rica oportunidade e esta Semana e as semanas que se vem desenvolvendo na Cidade de Porto Alegre, a segunda na Câmara Municipal e a sétima na Cidade de Porto Alegre, está-nos propiciando a possibilidade de fazermos profundas reflexões. Nós ouvimos aqui, no pronunciamento do Presidente desta Casa que a Semana da Consciência Negra na Casa está também proporcionando isso no momento em que no seu encaminhamento, no seu discurso nos apresentou um lindo texto que faz uma profunda reflexão do papel que todos nós temos que ter na superação das discriminações colocadas junto à comunidade negra.

Eu começaria a registrar aqui que há necessidade de fazermos um profundo debate do papel do Poder Público na superação das discriminações raciais. Esta Casa, por exemplo, o papel desta Casa, o papel do Poder Legislativo. Nós temos só nesta Legislatura um conjunto de Projetos tramitando, que tratam da questão da superação, que tratam da questão da discussão dos problemas relacionados à discriminação racial, de problemas relacionados ao conjunto das discriminações que hoje estão colocadas na nossa sociedade.

Eu aproveito este momento para registrar que a nossa Casa tem que ampliar ainda mais esse debate, para trazer para o conjunto dos Vereadores a compreensão da importância da superação desse momento de sociedade que nós vivemos, que acaba por constituir aí grandes movimentos de exclusão, e aí a comunidade negra é uma das tantas comunidades que sofre por causa disso. Eu até gostaria, também, de trazer um registro.

Quando a gente faz a discussão teórica das discriminações parece que essas questões estão longe do nosso cotidiano.

Eu fui convidado a assistir a uma peça teatral numa comunidade, levada pela Coordenadoria de Direitos Humanos, que apresentava um grupo teatral tratando de uma situação específica de discriminação: num edifício, uma empregada negra, ao entrar no prédio, era abordada por um dos proprietários, que a proibia de entrar no elevador social dizendo que havia um elevador para empregados. Ela dizia que o elevador para empregados estava estragado, e que ela teria que subir dez andares pela escada. Ele insistia em que havia um elevador para empregados, e ela tornava a dizer que ele estava estragado. O ator, interpretando o papel de proprietário, falava com o público dizendo: "Onde se viu uma negra querer andar num elevador social?"

Quando terminou a apresentação da peça, uma pessoa que estava ao meu lado disse: "Isso já está superado; no nosso país já não acontece isso!" Eu disse: "Tu te enganas. Se visitares Brasília, a capital do País, tu vais ver que a maioria dos prédios, lá, tem elevador para empregados". Só quando se traz para perto esse exemplo físico é que se vê que nós vivemos um conjunto de discriminações no nosso dia-a-dia. Portanto, nós temos que ter práticas para superá-las.

No nosso entendimento, nós temos que conseguir superar, lá na família, os preconceitos que esse modelo de sociedade constitui. Nós temos que usar os espaços do Estado, do Poder Público para superar esses preconceitos.

Nós temos um projeto protocolado na Casa, que propõe uma educação anti-racista, antidiscriminatória nas escolas. Nós entendemos que o conjunto das disciplinas nas escolas tem que tratar disso, tem que tentar construir conceitos que formem uma visão de ser humano, de gente, e que não discrimine por ser negro, por ser aleijado, e aí por diante. Com isso, esta Câmara  procura cumprir o seu papel.

Também no acompanhamento que faço, como dirigente, militante do movimento comunitário, vejo, ainda embrionário, um conjunto de ações do poder público. Por isso, estas Semanas têm um papel importante de aprofundarmos o debate com o poder público no sentido que ele constitua mais e mais ações afirmativas para destacar esta questão.

Passo a colocar o que, em primeiro lugar, levou-me a propor, junto com o Ver. Luiz Braz, esta Sessão, sendo o co-autor, pois ela cumpre o papel de fazer o debate. Ela também, no nosso entendimento, teria que cumprir o papel de fazer uma homenagem ao companheiro Borel.

Nós, companheiro Borel, por quatro meses avaliamos, estudamos na Casa a possibilidade de constituir um prêmio, um título para lhe entregar, pelo seu trabalho junto à cultura na comunidade negra. Mas, a Casa não propicia a possibilidade de entrega desse título.

Resolvemos apresentar e registrar, hoje, como primeiro passo nesta homenagem ao Borel, que protocolamos um projeto na Casa que cria o Prêmio Quilombo dos Palmares. Este Prêmio vai ser oferecido, uma vez por ano, a personalidades que se destaquem na cultura, na religião, etc, dos descendentes afro.

E no próximo ano, por nossa iniciativa, por iniciativa desta Casa, vamos conceder este Prêmio ao companheiro Borel.

Analisamos o conjunto dos prêmios que esta Casa oferece, mas são prêmios que constituem outras lutas, assim, entendemos de apresentar este projeto, criar este Prêmio e a Casa vai homenagear o companheiro, que tem requisitos e vai-nos contar, quando, hoje, usar a palavra.

Podemos juntar essa história do Borel com a possibilidade de criar um Prêmio que represente a cultura, a religião, a história e a luta da comunidade negra.

Era este o nosso registro. Queremos no final dizer que a Semana da Consciência Negra, Ver. Luiz Braz, desde o seu início, lá no Floresta Aurora, nos propicia momentos de reflexão, momentos de lazer e prazer. Nós já ouvimos e vimos, nesse período, um conjunto de atividades que nos mostra que a Comunidade Negra tem muito a apresentar. Que bom que hoje, está sendo gravada esta Sessão, e que, através das atividades que vão ser aqui apresentadas, possamos cada vez mais divulgar essa cultura. Muito obrigado.

 

 (Não revisto pelo orador.)

 

O SR. PRESIDENTE: Com a palavra a Ver.ª Maria do Rosário, pelo Partido dos Trabalhadores.

 

A SRA. MARIA DO ROSÁRIO: Sr. Presidente, Srs. Vereadores. (Saúda os componentes da Mesa e os demais presentes.) Nós estamos aqui de novo para mais uma Semana da Consciência Negra e estamos novamente falando para vocês. E o maior desafio que nós temos, e queremos também lançá-lo e abraçá-lo no Partido dos Trabalhadores, é que possamos em breve tê-los também, deste lado e desta tribuna, ocupando com maior força, como homens e mulheres representantes do povo negro, falando para si também deste microfone, como convidados, como parte do nosso povo, como são, mas também como vereadores desta Casa. Este é o nosso desejo e essa construção é um desafio que temos e que queremos abraçar.

Nós nos reunimos, mais uma vez, em torno de 20 de novembro, em homenagem à luta do povo negro. Uma luta história e uma luta que permanece nos nossos dias, seguramente com o mesmo vigor, a mesma necessidade e mesma intensidade de outros períodos históricos. No final do século, no desvelar-se o novo milênio, a humanidade não conseguiu ainda superar e constituir pactos básicos de coexistência, de convivência que possam dizer para toda a sociedade que é ela que está presa. As cadeias prenderão todos nós, enquanto não promovermos, dentro desta sociedade, os ideais de igualdade, de fraternidade, de justiça social de que somos tão carentes. Se todos estamos presos como sociedade, na medida em que um povo, e que outros povos, como os povos indígenas, também ao lado do povo negro, sofrem. A verdade é que o sofrimento e a conta dessa dívida é cobrada de um modo particular, de um modo firme, de um modo doloroso, a todos vocês que representam aqui as entidades de organização da comunidade negra, que representam o pluralismo que existe aqui em Porto Alegre, no Rio Grande, no Brasil.

Queremos e precisamos ser cada vez mais ousadas na nossa luta, na época em que vivemos é preciso combater a violência e a discriminação com a organização popular autônoma e com a exigência de que o Poder Público constitua políticas públicas que de fato respondam ao conjunto da sociedade. Queremos combater a violência, a desigualdade, a discriminação com um exemplo vigoroso que nos bate à porta nos dias de hoje, a figura forte e ao mesmo tempo solidária, a figura da luta, a figura do Zumbi dos Palmares, a figura que pode nos ajudar a constituir, de um modo feliz, no imaginário da nossa época, o que são os ideais de liberdade e o que é a possibilidade de um povo conquistar de fato essa liberdade.

Para nós, quando observamos, a cada nova medida econômica, a cada novo pacote econômico, nome que possa ter, por mais pomposo e diferente, por mais que soe bonito ou desconhecido na voz dos apresentadores do Jornal Nacional, ou do SBT, os pacotes econômicos que são lançados neste País nos tem jogado, cada vez mais, em uma situação de instabilidade e de dificuldade.

Quem paga a conta do desemprego deste País e quem são os oitocentos mil desempregados que têm como maior ocupação, nesses dias de sofrimento, caminhar de uma fila para outra buscando um lugar que não existe, uma vaga no mercado de trabalho? Quem são os duzentos e cinqüenta mil desempregados na região metropolitana? Aqueles que são vítimas do empobrecimento e do fechamento das pequenas e médias empresas. Quem são os meninos e meninas que caminham pelas ruas das grandes cidades como Porto Alegre senão parte também e, em especial, do povo negro? Quem são as mulheres que vagueiam com os seus filhos? Quem são as mulheres que sofrem de anemias e sequer isso é reconhecido pelo Sistema Único de Saúde?

Com todo carinho e por tudo isso, o nosso Partido dos Trabalhadores quer ser parte e é parte deste Legislativo, procurando propor constituir políticas públicas concretas em Porto Alegre como exemplo para o Rio Grande e para o Brasil. Esse é o nosso desejo firme e é por isso que nós queremos trabalhar para que possamos, em breve, ouvir vocês também aqui nesta tribuna. Muito obrigada.

 

(Não revisto pela oradora.)

 

O SR. PRESIDENTE: Com a palavra o Ver. Nereu D’Ávila que falará pelo PDT.

 

O SR. NEREU D’ÁVILA: Sr. Presidente e Srs. Vereadores. (Saúda os componentes da Mesa e demais presentes.) Em nome da Bancada do PDT, desejo ser partícipe, parceiro nesta Sessão e nesta Semana da Consciência Negra na Cidade de Porto Alegre. Em muito boa hora, esta Câmara instituiu uma lei, não é uma resolução, não é um decreto, é uma lei que institui a Semana da Consciência Negra e é isto que estamos tratando nesta tarde-noite e é sobre esta consciência que gostaria que todos refletissem neste momento.

Se, por um lado, estão se abrindo os caminhos de todas as minorias, de todos os despossuídos, de todos os excluídos, por outro lado, é verdade que estamos vivendo um momento muito alto, muito forte, graças a Deus e graças à luta de muitos que tombaram para que obtivéssemos esses momentos maravilhosos de democracia ampla neste País. Mas essa democracia não está completa, não será completa enquanto segmentos importantíssimos da nossa sociedade ainda estiverem, de uma maneira ou de outra, cultural ou ideologicamente subjugadas por elites que dominam os escaninhos econômicos, sociais e políticos da nacionalidade. Dessas minorias fazem parte, sem dúvida, os negros. A consciência que devemos ter é de elaborarmos uma construção juntos para buscarmos alternativas, não personalizadas, e não setorizadas, mas amplas, acima de partidos, de ideologias ou de opiniões isoladas.

Essa é a grande reflexão, mas para isso aqueles que têm essa consciência têm que colaborar como nós, que aqui estamos juntos como parceiros dessa luta. Nós devemos conscientizar os demais para essa luta, devemo-nos conscientizar de que a nossa vitória ainda está longe. Vocês também têm que se conscientizarem para não exercerem aquilo que nós mais combatemos, que é a discriminação.

Numa tarde, na Assembléia, ouvi o pronunciamento de um Senador do meu Partido - portanto, eu tenho autoridade moral para fazer essa crítica construtiva, e a fiz diretamente, naquela tarde - um Senador da República, um homem negro, um homem que viveu no exterior, morou em Nova York, um homem culto, que veio ao Rio Grande do Sul e, na ânsia de defender o negro, de colocá-lo em destaque, de homenageá-lo, exagerou na dose, falseando a história do Rio Grande, que nós todos conhecemos, e acabou fazendo um discurso racista contra os brancos. Nós temos que, construtivamente, combater isso, para nos igualarmos na luta. A luta é de todos, a cor não interessa, o pêlo não interessa, a ideologia não interessa e, para isso, temos que continuar legislando.

Nos Estados Unidos, há leis afirmativas, ações afirmativas que colocam as minorias subjugadas na plenitude, que as tiram dos porões, por exemplo, e as trazem para os concursos públicos, para as escolas, para os empregos. Essas leis afirmativas têm que ser feitas no Brasil. Há uma lei afirmativa da Martha Suplicy em relação às mulheres, que assegura, nas chapas partidárias, 25% da presença das mulheres, obrigatoriamente, para as candidaturas. Nós precisamos dessas leis para os negros.

Eu sempre digo, com todo o respeito, que o negro é mais subjugado do que a mulher. É uma discussão, é uma opinião, mas o que importa é que se foi dado para a mulher, tem que ser dado para os negros em nível nacional, municipal, regional.

O Ver. Renato Guimarães está propondo leis, nós estamos propondo leis, outros Vereadores também. Um exemplo é uma proposta de nossa iniciativa que coloca, nos currículos, a História do Africanismo, por que não só o Candomblé da Bahia e o Tambor do Maranhão devem ser respeitados, mas também a umbanda e o africanismo do Rio Grande do Sul deve ser respeitado, através de pesquisas nas escolas, para não se criar, em nível de educação religiosa, apenas uma religião - que já foi oficial no Império, e que agora não é mais, graças a Deus -, pois a Constituição de 1988 assegurou a mais ampla liberdade religiosa. Então, é conjunto de iniciativas de todos nós.

Daí, eu exorto a todos para que esta Semana da Consciência Negra seja de autocrítica e que cada um faça, principalmente vocês, que estão conosco nesta luta e para quem é dirigida esta homenagem, a construção de um exame para que avancemos em todos os campos da natureza humana e saiamos daquilo que ainda existe e é sutilmente colocado para baixo do tapete: uma grande discriminação, principalmente, contra o negro, contra a mulher negra e pobre. Disso temos que sair todos juntos e unidos. Um axé forte para todos vocês. Muito obrigado.

 

(Não revisto pelo orador.)

 

O SR. PRESIDENTE: O Ver. Reginaldo Pujol está com a palavra, em nome da sua Bancada, o PFL.

 

O SR. REGINALDO PUJOL: Meu prezado amigo Babalorixá Borel - mui justamente distinguido com esta Sessão Solene destinada a homenagear a Semana da Consciência Negra; ilustre painelista, Professor Décio Freitas - cuja presença dá um sentido especial a esta nossa solenidade, bem a propósito dos objetivos preconizados por aqueles que estabeleceram, no Calendário desta Cidade e deste Legislativo, a Semana da Consciência Negra; caro Presidente do Tribunal de Justiça Militar do Estado do Rio Grande do Sul, Coronel Antônio Carlos Maciel Rodrigues; prezado amigo e digníssimo representante do Comando da Brigada Militar do Estado do Rio Grande do Sul, Tenente-Coronel Élvio José Pires; ilustre representante da Secretaria Estadual de Cultura, Sr.ª Maria Heoniza; ilustre representante do Fórum Municipal da Mulher, Sr.ª Enid Backs; Srs. Vereadores, meus Senhores e minhas Senhoras.

Quando a Câmara Municipal se reúne em Sessão Solene destinada a homenagear a Semana da Consciência Negra, nós não poderíamos nos furtar a nos manifestar, seguindo uma linha que introduzimos na Casa ao longo dos últimos anos, penso que desde os momentos em que começou a produzir efeitos essa Lei, emanada e postulada pelo ex-Vereador Wilton Araújo, cujos efeitos têm-se produzido repetidamente, ano após ano, nesses últimos períodos legislativos.

Liberal de formação, vejo, na luta da afirmação da raça negra, desde antanhos, a presença permanente e continuada daqueles que, como nós, entendem que a liberdade é o bem maior a ser cultivado pelo ser humano e que sobre ela não pode recair outro ônus senão o ônus do interesse social.

Por isso, eu me sinto muito à vontade para me irmanar a todos aqueles que, como eu, representam, nesta Casa, parcela da opinião pública. E me integrando nesse compromisso de reafirmar os objetivos do diploma legal já referido, eu quero, não só reafirmando, mas também acentuando, dizer que com satisfação observo que ano após ano essa Sessão Solene cresce de expressão, tem a sua representatividade aumentada e agora, inclusive, introduz, além de uma homenagem justa e merecida, também esse painel a ser coordenado pelo ilustre Professor Décio Freitas, o que atinge por inteiro aqueles objetivos que nós esperávamos quando nos solidarizamos com o movimento pela criação da Semana da Consciência Negra, que seria não só ficar na proclamação desses direitos, que são líquidos e certos e absolutamente reconhecidos por parte da sociedade contemporânea, como também reflexionar sobre todo esse processo histórico que se desenvolve desde a chegada do primeiro representante da raça negra neste País.

Esses anos de aculturação e de deformação da cultura e da própria consciência negra tem encontrado, neste século, respostas objetivas e positivas e, como muito bem disse o Ver. Nereu D’Ávila, longe de terminarem com a jornada, representam passos alentados já realizados e que precisam ser continuados até que se consiga colimar esse objetivo tão perseguido e que tem enfrentado tantas dificuldades, sem que isso seja razão e causa para qualquer tipo de esmorecimento.

Por isso, e alertado por essa inflexível campainha que nos assinala a demarcação do tempo, que nos permite nos manifestar nesta oportunidade, concluo reafirmando o que há pouco afirmei e aditando a tudo isso a minha absoluta convicção de que este engajamento da Câmara Municipal de Porto Alegre, no sentido de resgatar a consciência negra nesta Cidade, neste Estado e neste País, não é uma luta sem objetivos.

Nós, inclusive, temos muito orgulho de ter entre nós, entre aqueles que permanentemente falam desta tribuna, sempre alguém representando concretamente a raça negra, como é o caso presente da Ver.ª Tereza Franco que, além de negra, como diz o Ver. Nereu D’Ávila, é também mulher e, portanto, um dos símbolos maiores da discriminação odiosa, contra a qual todos nós, liberais, nos rebelamos.

Sendo um homem que sempre sonhou com um Brasil socialmente justo, economicamente livre, politicamente soberano, culturalmente desenvolvido, não consigo vislumbrar como chegar a esse objetivo se, junto com ele, nós não resgatarmos por inteiro a consciência negra e dar a todos que a compõem a devida importância pelo muito que contribuíram - e contribuem - para o surgimento da verdadeira raça nacional, que é esse cadinho étnico que nos faz diferentes do resto do mundo.

A este Brasil moreno, eu quero fazer a minha homenagem hoje, ocasião em que todos nós, africanistas ou não, legítimos ou mesclados, estamos juntos para esta reflexão. É o meu pensamento, é a minha posição e a minha postura, de respeito e de homenagem àqueles que buscaram institucionalizar, na legislatura da Cidade, esta Semana de reflexão. E em especial aos integrantes da Comissão, que se esmeraram na preparação dos eventos que fazem parte desta Semana, a minha homenagem, o meu respeito e, sobretudo, o meu compromisso para que não esmoreça, nesta Casa, esta feliz iniciativa. Muito obrigado. (Palmas.)

 

 (Não revisto pelo orador.)

 

O SR. PRESIDENTE: Hoje nós estamos falando de justiça. E nós temos que fazer justiça a um grupo que se reuniu durante muito tempo para elaborar o Calendário e para que tudo saísse perfeito nesta Semana da Consciência Negra. Eu quero homenagear esta Comissão na pessoa de seu Presidente, o professor Paulo de Tarso. Ele merece os nossos aplausos, porque foi um incansável batalhador para que pudéssemos ter o melhor nesta Semana da Consciência Negra.

Pedimos palmas para o Professor Paulo de Tarso. (Palmas.)

Srs. Vereadores, neste momento vai se apresentar o Grupo de Capoeira Rabo de Arraia em homenagem ao Babalorixá Borel.

 

(É realizada a apresentação.)

 

O SR PRESIDENTE: Este canto é uma homenagem ao Babalorixá Borel que é o Xangô.

Passamos a palavra ao homenageado, Babalorixá Borel.

 

O SR. BOREL: (Saúda os componentes da Mesa e demais presentes.) Peço, inicialmente, perdão por não me referir individualmente a cada uma das pessoas que, de bom, justo grau, me fazem esta homenagem, talvez, até por falta de integração, mas isso, naturalmente, não levo muito em conta, porque só eu sei a gratidão que eu sinto dentro dessa homenagem a mim prestada.

Senhores representantes das autoridades civis e militares, meus queridos irmãos, amigos, irmãos de lei eu quero, de antemão, pedir ao Sr. Presidente que me conceda o direito de me reportar um pouco ao meu passado, trazendo um pouco de minha biografia nesta tão sublime homenagem.

Eu, Walter Calistre, tenho por pseudônimo Borel, nasci em 1924 na Cidade de Rio Grande e fui criado em Porto Alegre, sou neto direto de africano por parte da avó materna.

Criei-me dentro da religião conhecendo todos aqueles princípios que se dizem naturalmente, não propriamente religiosos e sim uma conduta religiosa com amor, espírito, decência e caráter. Só assim se podem valorizar os verdadeiros princípios educacionais religiosos, desta ou daquela gleba, daquele clã. Vindo para Porto Alegre, na condição de pequeno, de menino, nos primeiros anos de minha vida estudei no Colégio Dom João Becker, dali fui para a Escola Técnica de Agronomia e fui muito bem direcionado por um professor que se chamava Guimarães, já falecido - assim nós o chamávamos, o verdadeiro nome era Gilberto. Então, eu aprendi a conviver com as pessoas e além do que a subdividir essa questão racial, permitam-me senhores.

Na época em que eu saí dessa escola, eu saí sempre com uma dúvida, um ponto de interrogação que ainda hoje perdura em mim: quando falamos em questão de racismo, quando nós falamos em subdivisão racial, eu fico me perguntando se a constituição divina, se esse Deus único e onipotente teve entre as suas divindades espirituais divisões de cor, classe ou religião. Será que esse Deus, que me ensinaram a amar, ele era qualificativo? Com sinceridade, eu não acredito. Eu acredito que uma sociedade muito mal elaborada na época, num sistema feudal como vivia o Brasil - peço perdão ao senhor Professor e Historiador Décio Freitas, meu querido amigo, por qualquer lapso; por fineza, perdoe-me pela minha honestidade de não ter o verdadeiro desenvolvimento cultural que eu gostaria de ter.

Então, fico me perguntando: será que essa subdivisão de classe, cor e religião foi desse Criador único e universal? Eu não creio, porque seria um Deus tão parcial que eu mesmo deveria renegá-lo sem ter conhecimentos dos meus próprios princípios. Então, o que eu vejo nessa questão racial, principalmente no Brasil aonde a miscigenação é tão grande e que há uma subdivisão, mas uma subdivisão social e que não nos é dado o direito, mas quando falo assim, não falo única e exclusivamente no negro, porque estaria eu fazendo essa subdivisão e eu tenho tantos amigos de outras raças, pessoas que me ajudaram muito e que ainda continuam-me ajudando, portanto, eu não posso fazer essa discriminação e até porque não aceito essa discriminação que eu acho, dentro desse pequeno entendimento, dentro dessa irracionalidade minha, eu acredito que são por questões sociais. São os poderes públicos, são leis impostas que dividem as pessoas, idéias, classes e, conseqüentemente, o desenvolvimento.

Quem seria eu com meu ínfimo conhecimento para ser homenageado, se eu vejo outras pessoas que lutaram muito mais do que eu e que têm grande cultura, com o que, aliás, me auxiliam muito. Esses deveriam ser homenageados, não eu. Eu me sinto congratulado porque, neste exato momento, estou dividindo o que me é dado com todos aqueles que sempre me ajudaram. Eu sempre me mantive numa posição humilde. Nunca tive nada, nada tenho, mas tenho a graça divina.

Nunca esqueçam que não foi o branco que nos escravizou; mas foi, sim, uma sociedade elitista que sempre escravizou e que continua escravizando até hoje. Vocês não vão acreditar, mas os portugueses, espanhóis, franceses não saíam a buscar negros no interior da África. Não! Sempre houve o domínio do homem sobre o homem. Dentro da própria África, os negros aprisionavam negros para serem vendidos.

A minha raça, a negra, pode ver que ninguém vai-se deixar dominar duas, três, quatro vezes pelo mesmo princípio sem que haja uma reação. E essa condição de autodomínio existe até hoje. Entre os negros, na África, havia isso, e, como o trabalho era braçal, muito fácil, veio a degeneração que nós chamamos de escravagismo. Mas, não esqueçam: antes do negro, já foi escravo o branco. Enfim, o direito do homem sobre o homem sempre foi imposto por leis, por soberania. E me parece, professor, que, o Brasil, naquela época, ainda tinha um princípio feudal, e que o negro era submisso àquilo.

Mas está na hora de levantar a cabeça. Não esperem que ninguém faça por nós. Conheçam seus próprios valores. Desenvolvam-se dentro daquilo que lhes foi concedido, porque Deus é um só, e Ele deu para o branco, para o negro, deu para a criança, deu para o deficiente, enfim, ele é o único senhor responsável por tudo isso. Mas não esqueçam, temos o livre arbítrio para que sejamos responsáveis por nós.

Não esperem que lhes dêem esmolas, vão em busca dos direitos que lhes concedem. Só assim vamos encontrar o verdadeiro caminho, verdadeiro sentido de ser o que somos e daquilo que podemos concluir.

Quando ainda menino não conhecia isto, hoje, com setenta e cinco anos de idade fico feliz de ver que não tem sido um trabalho infrutífero, tem sido muito árduo. Mas, meus netos e meus bisnetos vão ter outra aurora boreal, muito diferente da que eu tive, da que os meus pais tiveram.

Digníssimos senhores, não sei como congratular-me com tanta alegria, tanta satisfação, tanta humildade por esta homenagem que me é prestada. Mas que isso seja dividido entre todos os meus irmãos, todos aqueles que de alguma maneira, de alguma forma me congregaram esta amizade que até hoje agrego dentro da minha vivência.

Vou rezar para vocês uma oração em uruá.

 

(Faz a oração em uruá.)

 

A todos os meus mais sinceros e profundos agradecimentos. Muito obrigado. (Palmas.)

(Não revisto pelo orador.)

 

O SR. PRESIDENTE: Que bom podermos ouvir o Borel. Tive a felicidade de ouvi-lo como tamboreiro, é um grande expert.

Neste momento vai se apresentar o GADEN - Grupo de Arte, Dança e Expressão Negra.

 

A SRA. COMPONENTE DO GRUPO: Boa noite, Sr. Presidente da Câmaras, Srs. Vereadores e demais presentes. Somos o Grupo GADEN, Grupo de Arte, Dança e Expressão Negra. O Grupo procura mostrar a arte e a beleza negra através da voz, dança e toque dos tambores, com diversos instrumentos de percussão, tendo como maior objetivo transmitir à sociedade as raízes e cultura do povo negro, procurando, dessa forma, contemplar o tema: o papel do estado na promoção da igualdade racial.

“Hiumbi, Hiumbi. Poema de Filipi Muquinca.

Meu Hiumbi Hiumbi,

levanta vôo e vamos,

coitado do timbamba que se arrasta no chão,

teus companheiros voam, levanta vôo e vamos,

coitado do timbamba, que se arrasta no chão. "

 

(É feita a apresentação do Grupo GADEN, Grupo de Arte, Dança e Expressão Negra.)

 

O SR. PRESIDENTE: Teremos o prazer de ouvir o Historiador, Professor Décio Freitas.

 

O SR. DÉCIO FREITAS: Sr. Presidente e Srs. Vereadores. (Saúda os componentes da Mesa.) Seria interessante saber que a Semana da Consciência Negra foi criada no dia 20 de novembro de 1981, na Cidade de Maceió, por proposta do intelectual, artista e militante negro Abdias do Nascimento, apresentada no 1º Simpósio Nacional sobre o Quilombo dos Palmares, realizado em Maceió e promovido pela Universidade Federal de Alagoas, cabendo a mim a honra de haver organizado esse Simpósio, porque, na época, eu vivia em Maceió na condição de Professor de História do Nordeste, e, mais ainda, eu tinha uma vinculação intelectual muito grande com a história de Palmares, especialmente a de Zumbi, cuja identidade, posso dizer - é um dos poucos orgulhos da minha vida -, foi por mim descoberta, já que se acreditava e se afirmava que não tinha havido um Zumbi, mas muitos, já que esse seria o nome de uma república militar da república de Palmares.

Coube a mim, através de investigações e pesquisas, não só nos arquivos brasileiros mas principalmente nos arquivos portugueses, verificar e comprovar a identidade física de Zumbi, o que eu relatei no meu livro "Palmares, a Guerra dos Escravos" e que é a história da grande epopéia negra do Brasil, porque se há algo de que os negros brasileiros se devam orgulhar é da epopéia de Palmares, a república negra que existiu no Nordeste durante quase um século e que enfrentou e derrotou mais de quarenta expedições mobilizadas pela Coroa Portuguesa que exigiu mais esforços e dispêndios em dinheiros e recursos médicos do que a guerra contra os holandeses, e sucumbiu com a morte do líder Zumbi, vítima de uma traição, coisa que relato no meu livro.

A Semana da Consciência Negra foi criada por proposta do Abdias Nascimento, em Maceió, a fim de que se despertasse e se mobilizasse uma consciência da população negra brasileira e que isso, refletindo na consciência da população branca, permitisse dar passos positivos no sentido de uma abolição de todos os tipos de discriminação de que são vítimas os negros brasileiros e os mestiços. Penso que não se pode falar apenas nos negros entre os discriminados no Brasil, já que uma parte considerável da população que é discriminada é composta de mestiços, isto é, todos aqueles que têm sangue negro, seja qual for a parcela, são alvos dessa discriminação e por isso prefiro a denominação de não-brancos, já que engloba a enorme policromia pigmentária que caracteriza a população brasileira não-branca e que não é puramente de origem européia.

Para que se compreenda a amplitude e a gravidade do problema da separação ou desigualdade racial no Brasil, é necessário abordar um tema que desagrada muito aos brasileiros em geral: a escravidão. Esse tema desagrada aos brasileiros brancos porque lembra a sua infâmia e perversidade. E desagrada aos brasileiros negros porque lembra o seu sofrimento e a sua humilhação. Daí por que esse tema seja pouco versado  e,  daí porque a escravidão tenha sido objeto de tão escassos estudos históricos, embora, ela abranja 4/5 partes da história brasileira, ou seja, pode se dizer, sem sombra de dúvida, que o Brasil foi feito pela escravidão e que o Brasil ainda é hoje, em parte, considerável um produto da escravidão, já que nenhuma outra nação das Américas foi de tal maneira condicionada pela escravidão e a escravidão negra como o Brasil.

O Brasil foi a maior potência escravista do mundo ocidental nos tempos modernos. O Brasil importou 40% dos escravos da África e, para que se tenha uma idéia do que isso significou, é interessante lembrar que os Estados Unidos importaram apenas 6%. O Brasil importou sozinho mais do que todos os outros países das Américas e a escravidão abrangeu a maior parte da sua história, foi o primeiro País que estabeleceu a escravidão negra nas Américas, foi o último País das Américas a abolir o tráfico negreiro e foi o último a abolir a escravidão. Isto permite ver e compreender, não só o quão profundamente arraigada esteve a escravidão no Brasil, como também a influência e o condicionamento que teve na formação social, histórica e cultural do Brasil.

Inclusive, pelo fato de que o Brasil ao se tornar independente não se tornou uma nação. A simples independência não criava uma nação, criava uma estado e criou um estado soberano, mas a nação no sentido moderno da palavra implica a igualdade civil dos seus habitantes. Quando se proclamou a independência do Brasil mais da metade da sua população ficou excluída da nacionalidade, isto é, os negros ainda que aqui estivessem a várias gerações não eram cidadãos brasileiros, não formavam parte da nacionalidade brasileira, isto está escrito na primeira Constituição que o Brasil teve, a de 1824.

Portanto, o Brasil ao se tornar independente não se tornou uma nação. O Brasil só vai se tornar rigorosamente uma nação em 13 de maio de 1888 quando se estabelece a igualdade civil, isto é, quando se suprime, se abole a escravidão. Ou seja, todos são civilmente iguais, - não social e economicamente -, mas civilmente. Então pode se dizer que a Nação Brasileira realmente nasce em 13 de maio de 1888 com a supressão da escravidão, num momento em que já nenhum outro país mantinha a escravidão e quando, sobretudo, a população escrava já não tinha mais serventia, dado que, tendo ingressado no Brasil mais de 4 milhões de negros, quando se aboliu a escravidão eles eram em número inferior a 400 mil, sendo que 80% deles tinham mais de 60 anos de idade, ou seja, já não serviam mais para o trabalho, por isso se aboliu a escravidão, inclusive uma abolição sem indenização aos proprietários.

O mais grave da História brasileira é que o desaparecimento da escravidão não teve um significado autenticamente libertário para a população negra, porque, ao adquirir liberdade civil, os negros deixaram de adquirir outras liberdades, como a liberdade política e econômica, ou seja, eles não puderem se integrar na vida produtiva, social e intelectual do Brasil.

O problema fundamental, no Brasil, em matéria de etnias, é de textura cultural, porque é inútil proclamar a igualdade no Brasil quando há toda uma cultura que resiste a aceitar como iguais os cidadãos brasileiros negros. Isso é um fenômeno cultural, com todas as características dos fenômenos culturais. Adquire-se uma cultura pelo simples fato de nascer e viver em uma determinada sociedade, bebe-se a cultura com o leite materno e é assim que todo branco é culturalmente racista e anti-negro, ainda que, conscientemente, ele não reconheça, não admita ou não queira, pelo simples fato de ser branco. Não se sai de uma cultura como quem sai de um táxi, simplesmente batendo a porta. É extremamente difícil sair de uma cultura e, especialmente, da cultura racista brasileira.

Cultura racista, como eu disse no início - eu acho importante sublinhar e insistir - não abrange aqueles que são genuinamente negros, mas todos os não-brancos, através de diferentes graus de mestiçagem, e que constituem a imensa maioria do povo brasileiro. Aqui chegamos num ponto que é fundamental para a nossa reflexão sobre a nacionalidade brasileira: somos a maior nacionalidade não-branca das Américas, e só existe um país na África, que é a Nigéria, que tem uma população negra superior a do Brasil.

No entanto, exatamente os excluídos da nacionalidade brasileira são os não-brancos, e aí chegamos a uma questão: ou eles são biologicamente inferiores, inaptos para determinadas tarefas, determinados desempenhos e, nesses casos, os racistas, como Hitler, tinham razão, ou eles são discriminados realmente. O fato é que a ciência não admite e não reconhece superioridade ou inferioridade biológica, embora tenhamos que admitir que há uma inferiorização histórica. É claro que aquele que viveu, geração a geração, oprimido, subnutrido, sem instrução, sem oportunidades, foi inferiorizado e tem uma desvantagem enorme da competição social. Ele tem escassas oportunidades de participar do processo de competição. Nesse sentido existe uma inferiorização. A externalização dessa inferiorização é extremamente difícil, até porque essa população introjetou o desprezo que o branco lhe votou ao considerá-lo, durante quatro quintas partes da História brasileira, como objeto, como uma coisa, equiparado, legalmente, aos animais, podendo ser comprado, vendido, hipotecado, alugado e até morto, porque não era um ser humano.

É importante verificar como, pelo menos no século XVIII, houve uma grande controvérsia entre teólogos do Brasil para saber se os negros tinham ou não alma. Isso foi objeto de sérias indagações teológicas, sendo que a maioria entendia que realmente não a tinham, até que um Papa - não lembro o nome no momento - proclamou a Encíclica que afirmava que os negros tinham alma não-branca, essa alma negra, essa alma mestiça é que uma parte importante, integrante e essencial da cultura brasileira.

Eu devo dizer que, na minha opinião, o Brasil, antes de ser um País dividido em classes, é um País dividido em castas. As castas, como se sabe, se formam por obra do nascimento. Num sistema de castas, o nascimento determina a condição social do indivíduo, e no sistema de castas, no Brasil, aquele que nasce não-branco passa a ter uma condição social determinada pelo seu nascimento. É o nascimento e não a competição na sociedade que qualifica e que determina a condição social do indivíduo.

Eu também devo dizer que não creio que no Brasil se processe a famosa, esperada e reclamada redistribuição de renda. Há alguns dias, uma organização internacional repetiu aquilo que todos sabem: que o Brasil é um dos dois países de pior de renda, de maior concentração de renda. Eu não acredito numa redistribuição de renda no Brasil, porque a redistribuição de renda viria beneficiar a grande massa, a maioria da população brasileira, que não é branca. Eu não acredito que os brancos abram mão da sua renda em benefício dos não-brancos. Eu não vejo essa perspectiva. E não vejo, em primeiro lugar, porque, espontaneamente, não se pode imaginar que isso ocorra.

Eu digo isso com tristeza, porque não vejo um movimento negro vigoroso, expressivo e poderoso, capaz de mudar as coisas como, por exemplo, aconteceu nos Estados Unidos que, apesar de todas as críticas que se fazem e que nós brasileiros sempre fizemos, como país racista - e disso temos conhecimento pelo cinema americano, que mostra isso ao mundo inteiro - ainda assim é o país do mundo em que os negros melhor vivem, onde, efetivamente, gozam de mais direitos, onde eles mais podem se amparar na democracia e para os quais ela foi um instrumento efetivo de emancipação.

Eu penso que a questão negra, a questão da igualdade racial brasileira, que é o pressuposto da igualdade social, ela só se decidirá nas ruas, não no âmbito das universidades, através de testes e discussões acadêmicas, muito menos nas áreas e nos espaços do poder do qual esta Câmara faz parte, porque isso aqui é um ato apenas social e não um ato que efetivamente englobe e mobilize as grandes massas negras, e isso é o principal fator, no meu entendimento, da escassa perspectiva de um desenvolvimento do Brasil harmônico e igualitário, ou seja, de que não haverá, espontaneamente, uma redisposição de renda em que os brancos se auto prejudiquem para favorecer os negros. Penso que só na medida em que houver um poderoso movimento de massas, só na medida em que o Movimento Negro ganhar as ruas, é que poderá haver algum progresso nesse sentido, sem que isso, naturalmente, signifique o abandono de outras manifestações, expressões de luta e de afirmação cultural.

Também penso que essa emancipação do negro, a sua integração efetiva na sociedade brasileira, deve ser o objetivo principal, se nós quisermos que o Brasil seja efetivamente uma Nação, porque se é verdade que a abolição da escravatura deu nascimento à Nação Brasileira, é verdade também que nós continuamos a ser uma Nação inconclusa, isto é, uma Nação que ainda não se terminou de fazer, na medida em que o Brasil sofre dessa profunda divisão, uma divisão que nos deve tornar ainda mais pessimistas pelo fato de que não há, no Brasil, conflitos étnicos, como em outras sociedades, como houve nos Estados Unidos e, mais recentemente, na África do Sul.

Eu acho que essa característica do racismo brasileiro torna as coisas mais difíceis, porque o racismo brasileiro é um racismo impalpável, ele é invisível, não se declara, oculta-se. Na medida em que em países como Estados Unidos e África do Sul o racismo se afirmava, declarava-se publicamente através de medidas legais, ele criava consciência da opressão sofrida, ao passo que no Brasil cria-se a ilusão, profundamente entranhada na grande massa da população negra, de uma integração que, na verdade, não existe.

Então,  que esta Semana da Consciência Negra deve servir para a reflexão de todos os brasileiros, não apenas dos negros e mestiços em geral. E nunca podemos esquecer que entre os não-brancos existe um enorme contingente da população brasileira - pouco no Rio Grande do Sul, mas muito expressiva em outras regiões do Brasil- de mestiços de índios, de indiáticos de todo o tipo, e que são igualmente discriminados, porque o Brasil é, essencialmente, o País dos brancos. Ou melhor, é o paraíso dos brancos. Tanto que eles não sofrem nenhuma contestação à discriminação e conseguem ocultá-la e dissimulá-la tão bem que as próprias vítimas disso não a enxergam.

O Brasil é uma nação inconclusa e penso que a tarefa é esta: acabar de fazer o Brasil como nação. Muito obrigado. (Palmas.)

 

(Não revisto pelo orador.)

 

O SR. PRESIDENTE: Foi muito importante ouvirmos o Prof. Décio Freitas, com toda a sua sinceridade, a sua autenticidade, o seu conhecimento, colocando perfeitamente essa questão da discriminação. Finalizando esta Sessão, convidamos a todos para, em pé, ouvirmos o Hino Rio-Grandense.

 

(Executa-se o Hino Rio-Grandense.)

 

Convidamos a todos para a continuação da programação da Semana da Consciência Negra. Está sendo oferecido um coquetel, no Salão Glênio Peres, com bebida e comida tipicamente africanas, e logo após, numa mostra de vídeo, será exibido o filme Ilha Negra. Estão encerrados os trabalhos da presente Sessão.

 

(Encerra-se a Sessão às 21h32min.)

 

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